Emedebista que teve governador Tarcísio como principal padrinho supera deputado do PSOL que foi apoiado pelo Lula
O prefeito Ricardo Nunes (MDB), 56, derrotou Guilherme Boulos (PSOL), 42, no segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo e se reelegeu nesse domingo (27) para um novo mandato de quatro anos.
O resultado foi confirmado por volta das 18h40 pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Com 89,78% das urnas apuradas, Nunes tinha 59,57% e Boulos, 40,43%.
Nunes assumiu a administração da capital paulista em maio de 2021, após a morte por câncer de Bruno Covas (PSDB), de quem era vice-prefeito. Antes disso, o emedebista nascido na periferia da zona sul foi vereador por dois mandatos e se projetou na região a partir da atividade empresarial no ramo da dedetização.
Ao contrário da campanha de 2020, quando Covas derrotou o mesmo Boulos por 59,38% a 40,62%, o pleito deste ano ficou marcado por episódios de agressividade, principalmente no primeiro turno, por causa da participação de Pablo Marçal (PRTB), alvo de uma cadeirada em debate e responsável por ofensas e factoides.
Neste domingo, houve troca de acusações entre as campanhas de Nunes e Boulos a partir de uma declaração do governador Tarcísio de Freitas (Republicamos), aliado do prefeito, dizendo, sem apresentação de provas, que o PCC (Primeiro Comando da Capital) orientou voto no candidato do PSOL.
Segundo o governador e a Secretaria de Segurança Pública, a inteligência da polícia interceptou esse tipo de mensagem.
Boulos chamou a declaração de “uma vergonha” e disse ser o “laudo falso” do segundo turno, em referência ao documento forjado sobre uso de cocaína divulgado na primeira etapa da campanha por Marçal. O deputado ajuizou uma ação na Justiça Eleitoral pedindo a inelegibilidade de Nunes e a cassação de Tarcísio.
No último dia 6, a capital paulista teve a disputa mais acirrada desde a redemocratização. Com 29,48%, Nunes teve 25 mil eleitores a mais que Boulos (29,07%), que superou Marçal (28,14%) por 57 mil votos.
Já o segundo turno opôs diretamente o Lula, que patrocinou a candidatura de Boulos, e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que deu seu apoio envergonhado a Nunes. Mas a corrida paulistana ficou longe de parecer um terceiro turno da eleição presidencial de 2022, vencida pelo petista, que na capital superou o adversário com alguma folga.
Que a cidade mais importante do país passe a ser palanque de Bolsonaro e da direita é um revés para os planos de reeleição de Lula em 2026. Mais que isso, o resultado desse domingo é uma vitória política para Tarcísio, virtual candidato ao Palácio do Planalto e principal investidor de Nunes. O prefeito, por sua vez, declarou que essa pode ser a última eleição que disputou.
O mergulho de Tarcísio contrastou com a hesitação de Bolsonaro, que sentiu a pressão do seu público pró-Marçal. A ausência do ex-presidente contribuiu para o plano do MDB de diluir a rejeição a ele, tratando-o como um entre tantos apoiadores de uma frente ampla. Mas isso colocou a perder a vantagem prevista para Nunes por ter conseguido que o PL não lançasse um bolsonarista.
De qualquer forma, a peça colocada por Bolsonaro na corrida paulistana, o coronel da reserva da Polícia Militar Ricardo Mello Araújo (PL), é agora vice-prefeito eleito. A marca do ex-presidente tende a se ampliar no novo governo Nunes —que na campanha já fez concessões ao bolsonarismo como voltar atrás na opinião sobre obrigatoriedade da vacina e desconversar sobre a infundada fraude na votação de 2022.
No início do ciclo eleitoral, a perspectiva de nacionalizar o pleito, o apoio da máquina federal e o recall de quem participava da sua quarta eleição consecutiva colocaram Boulos em posição de favoritismo em relação a Nunes, um prefeito desconhecido, que nunca havia disputado um pleito majoritário e era considerado por detratores pequeno demais para a cadeira.
Nunes, no entanto, herdou de Covas não só a prefeitura, mas um grupo político-partidário que sustentou sua reeleição com uma coligação de 11 partidos (MDB, PL, Republicanos, União Brasil, PP, PSD, Solidariedade, Podemos, Avante, PRD e Mobiliza), além de dissidentes do PSDB, legenda que acabou lançando José Luiz Datena.
Ancorado no caixa folgado da prefeitura e em figurões partidários e com 65% da propaganda no rádio e na televisão, Nunes reverteu as previsões iniciais e foi testemunha de que as ferramentas da política convencional ainda têm impacto decisivo.
O cerne de sua estratégia foi evitar a polarização nacional e trazer o debate para o município —exaltar feitos como a fila da creche zerada, o recapeamento recorde, a tarifa zero de ônibus aos domingos e a faixa exclusiva para motos.
Por outro lado, Nunes venceu apesar de suspeitas e polêmicas como a máfia das creches, o boletim de ocorrência por violência doméstica, relatos de uso da máquina e a infiltração do PCC em serviços da prefeitura, como os contratos de ônibus.
Apesar do arco de transformação pelo qual passou Boulos nos últimos quatro anos, sua rejeição ainda pesou a favor de Nunes, que não poupou a chance de relacioná-lo a extremismo, radicalismo, invasões, depredação, drogas, crimes e revogação de privatizações.
Apesar de bater na trave pela segunda vez, Boulos sai da disputa como nome em ascensão no deserto de renovação do chamado campo progressista. Ele e companheiros como Lula e Marta têm na vitória de Nunes um exemplo do desafio imposto ao segmento para os próximos ciclos eleitorais.